domingo, 28 de novembro de 2010

Nossa Senhora do Silêncio

Às vezes quando, abatido e humilde, a própria força de sonhar se me desfolha e se me seca, o meu único sonho só pode ser pensar nos meus sonhos. É então que me interrogo sobre quem tu és, Nossa Senhora do Silêncio. Figura que atravessa todas as minhas visões demoradas, de paisagens outras, de interiores antigos, de cerimoniais faustosos de silêncio. Visito contigo regiões que são talvez sonhos teus, terras que são talvez corpos teus de ausência e desumanidade. Talvez eu não tenha outro sonho senão tu, talvez seja nos teus olhos, encostando a minha face à tua, que lerei essas paisagens impossíveis, esses tédios falsos, esses sentimentos que habitam a sombra dos meus cansaços e as grutas dos meus desassossegos. Que espécie de vida tens? Que modo de ver é o modo como te vejo? Teu perfil nunca é o mesmo, mas nada muda. Eu digo isso porque sei, ainda que não saiba o que sei. Tu não és mulher. Nem mesmo dentro de mim evocas qualquer coisa que eu possa sentir feminina. É quando falo de ti. É quando as palavras te chamam fêmea, e as expressões te contornam de mulher. Que eu tenho de te falar com ternura e amoroso. Ocupas o intervalo dos meus pensamentos e os intesticios das minhas sensações. Por isso eu não penso, nem sinto. Mas os meus pensamentos são ogivais de te sentir. Os meus sentimentos goticos de evocar-te.  Ah Nossa Senhora do Silêncio, lua de memórias perdidas sobre a negra paisagem do vazio da minha imperfeição. Debruço-me sobre o teu rosto branco nas águas noturnas do meu desassossego, no meu saber que és lua.

[Fernando Pessoa]

Um comentário:

  1. Nossa! Senhora do Silêncio que habitas eternamente quando penso; és a musa-inspetora de tudo que penso, de tudo que escrevo, de tudo que sai de mim. Belo, Fernando!

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